Parece que a humanidade tem uma necessidade vital de criar novos nomes
para velhas funções. No universo da motocicleta essa tendência já é observada
na classificação dos tipos de motos, passando pela especificidade de cada
função. Por exemplo, as motos “nakeds” (nuas, em inglês), que são simplesmente
as motos como sempre conhecemos desde a invenção da roda, sem qualquer
artifício aerodinâmico. Portanto, não precisava receber nenhuma classificação,
porque já a chamávamos simplesmente de… moto!
Agora começou a surgir também a
identificação do tipo de motociclista. Os proprietários de motos esportivas
começaram a se identificar como “bikers”, como se isso os fizessem diferentes
de outros motociclistas. Já as motos esportivas passaram a ser chamadas de
“bikes”, que no idioma original significa simplesmente bicicleta! Mas a
classificação que mais gera controvérsia, desnecessária, claro, é a de motociclista
e motoqueiro.
Vou voltar no tempo. Lá nos anos 60,
quando as motocicletas começaram a ser vistas como objeto de prazer e não
apenas de locomoção nem de facilitação de transporte urbano. Naquela época, no
Brasil, as motos eram praticamente brinquedos de luxo, ligadas a uma vida de
playboy.
No começo dos anos 70, mais
precisamente em 1973, a Rede Globo exibiu uma novela chamada “Cavalo de Aço”
que tinha uma Honda CB 750F como uma das personagens mais marcantes
(pelo menos para mim!), pilotada por Tarcísio Meira. Ela popularizou a moto que
chegaria em grande escala até 1976 e o duro golpe da proibição de importação.
Nessa época as motos eram chamadas de
motocicletas só pelo meu avô e seus colegas. A juventude chamava simplesmente
de moto ou pelo carinhoso apelido de motoca. Que tinha o
componente charmoso de lembrar outra coisa bem cobiçada, as cocotas (que veio
do francês cocotte). As minas, as gatas, eram chamadas de cocotas e a
associação com motoca foi imediata.
Daí que os jovens que saíam com suas
motocas à caça das cocotas eram chamados de motoqueiros. Podia ser motoquista,
assim como quem trabalha com estoque é estoquista e não estoqueiro. A
etimologia da palavra motoqueiro remete exclusivamente à motoca. Para quem
gostava de se referir ao veículo como motocicleta, podia continuar se definindo
como motociclista e pronto.
O termo motoqueiro tinha nada de
pejorativo até meados dos anos 80 quando uma revista especializada começou uma
desnecessária campanha para separar os recém motociclistas profissionais, que
hoje chamamos de motoboys, dos outros que usavam a moto como meio de transporte
e lazer.
E assim surgiu a diferenciação entre
motoqueiros e motociclistas. Segundo essa campanha, os motoqueiros
seriam aqueles que demonstrassem um mau comportamento no trânsito, usavam a
moto como meio de renda ou donos de motos pequenas, criando uma espécie de
“classe baixa” dos donos de motos. Já os motociclistas seriam aqueles
que exibiam um bom comportamento, usavam motos grandes, como meio de lazer ou
transporte de luxo, pertencente a uma “classe alta”.
O resultado é isso que temos hoje:
uma inútil e fabricada sociedade de classes entre os usuários de motos, muito
mais ligada ao puro preconceito do que à língua portuguesa em si. No
nosso idioma, os sufixos “ista”e “eiro” se referem àqueles que trabalham ou
vivem de alguma atividade. O jornalista trabalha na produção da matéria prima
para o jornal, que é a informação. E o jornaleiro é quem vende o jornal. Nenhum
é mais ou menos importante que o outro.
Em São Paulo o estabelecimento que
lava motos anuncia “Lavagem de Motos”. No sul do Brasil, lavagem é a palavra
usada para comida de porcos, por isso eles anunciam como “Lavação de Motos”. E
a máquina que está na sua área de serviço é uma máquina de lavar e não de lavagem
nem de lavação. Portanto tem muito mais de etimológico do que de sociológico
nos termos motoqueiro e motociclista.
Pena que o ser humano tem essa
necessidade quase vital de criar rótulos e separar os indivíduos em castas. Os
proprietários de barco à vela são “contra” os donos de barco a motor e
vice-versa. Quem voa de asa delta se acha mais especial do que quem voa de
parapente. Todos dividem o mesmo meio, aquático ou aéreo, mas precisam se
dividir para ter assunto nos clubes e associações.
Voltando aos motoqueiros e
motociclistas, não existe esse conceito de que o motoqueiro é bandido e o
motociclista é o mocinho. Tudo papo furado, criado por uma imprensa
preconceituosa e desinformada. O que existe são bons e maus motociclistas ou
bons e maus motoqueiros. Estou cansado de ver donos de caríssimas BMW ou
Harley-Davidson furando farol vermelho, rodando na calçada, fazendo conversão
proibida, quebrando espelhos retrovisores dos carros, mas que na rodinha de
amigos se proclama motociclista e tem ojeriza de motoqueiros. Da mesma forma
vejo todos os dias motociclistas profissionais (hoje chamados de motofretistas)
dando exemplos de bom comportamento e cortesia no trânsito, mas que são
chamados de motoqueiros.
A questão é: por que estimular a
criação de estereótipos preconceituosos se todos usam e são apaixonados pelo
mesmo veículo?
Eu gosto muito de me referir à minha
moto como motoca, logo eu sempre fui, sou e serei um MOTOQUEIRO e com
muito orgulho!
Créditos: Fonte: Texto do jornalista
Geraldo Tite Simões publicado originalmente no site www.motite.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário